''Corrente da inadimplência'' já atinge as grandes empresas
Renée Pereira
O avanço da inadimplência do consumidor começa a provocar um efeito
cascata na economia nacional e já chega às grandes empresas. Se, até o
momento, eram as empresas pequenas e médias que vinham apresentando
maiores dificuldades para honrar seus pagamentos, agora as grandes
também começam a enfrentar esse problema e estão tendo de fazer uma
verdadeira "ginástica financeira". A alternativa adotada tem sido
negociar prazos, cortar funcionários e investimentos ou eleger contas
prioritárias para pagamento - o que tem elevado as estatísticas de
inadimplência entre empresas. Só em fevereiro, a alta foi de 20,6% em
relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com dados da empresa de
análise de crédito Serasa Experian.
No setor têxtil, essa "corrente do calote" já é perceptível.
Pequenos varejistas ou sacoleiros com dificuldades em receber de seus
clientes pessoas físicas pedem mais prazo a fornecedores - como os
fabricantes de roupas -, que, por sua vez, têm de renegociar suas
dívidas com seus próprios fornecedores, as grandes tecelagens.
"Essa situação tem sido muito ruim para a indústria", diz o
empresário Eliezer Turco, sócio da Bordados Sulamita, empresa instalada
há 30 anos em Ibitinga, no interior de São Paulo. Conhecida como a
"capital nacional do bordado", a cidade convive com representantes
comerciais de redes de varejo e também com os sacoleiros, que invadem
as ruas do município em busca de novidades no mercado de enxovais.
Na Bordados Sulamita, a devolução de cheques - de pessoa jurídica
ou dos sacoleiros - dobrou em relação ao ano passado. Isso sem contar o
aumento do número de clientes que pedem a prorrogação dos prazos de
pagamento, para até 120 dias. "Não tenho alternativa. Se não estender
um pouco o prazo, não recebo nada", diz Turco, destacando que tudo
depende do cliente que faz o pedido.
Com o caixa debilitado e sem crédito, a saída da Sulamita foi
adotar a mesma estratégia dos clientes: pedir a extensão dos prazos das
dívidas com as indústrias de tecelagem. "Não temos margem para fazer
milagres", destaca Turco, explicando que a empresa foi obrigada a
demitir 15% do quadro de funcionários por causa da crise.
Na outra ponta da corrente, no caso da indústria têxtil, estão as
grandes tecelagens, que veem aumentar o pedido de renegociações de
dívidas. Na Teka, por exemplo, os pedidos de aumento de prazos não
partem apenas dos clientes nacionais, mas também dos estrangeiros. A
empresa, porém, tem sido resistente, diz o diretor de relações com
investidores da companhia, Marcelo Stewers. "Na compra, eles já pedem
descontos entre 15% e 25%. Em alguns casos, a gente cede. Em outros, a
gente não vende."
Quando não há acordo, a dívida entre as empresas acaba parando na
Justiça. No primeiro bimestre, o volume de títulos protestados (apenas
de pessoas jurídicas) subiu 40% em relação a 2008, segundo dados da
empresa de solução para gestão de risco Equifax. O volume de cheques
devolvidos subiu 23%. Um dos efeitos disso foi o aumento de 25,16% no
número de falências no País.
Os números negativos pegaram os empresários no contrapé. Muitos
tinham acabado de fazer investimentos pesados para atender a uma
demanda cada vez maior. De repente, passaram a conviver com escassez de
crédito, queda na receita e inadimplência. "Nunca tínhamos vivido uma
situação tão complicada como essa", lamenta Paola Tucunduva, dona da
lavanderia industrial Rotovic. A empresa foi atingida em cheio pela
crise do setor automobilístico e de autopeças. "Nosso índice de
inadimplência subiu de praticamente zero para 10%. O mais curioso é que
atendemos grandes empresas, algumas multinacionais", diz Paola.
A lavanderia foi criada em 1968, pelo pai de Paola, para atender ao
mercado residencial. Mais tarde, ele decidiu apostar no ramo
industrial, para lavar uniformes dos funcionários das fabricantes de
veículos. Hoje a empresa tem três unidades: em São Paulo, Camaçari
(Bahia) e Americana (SP). Superar as consequências da crise não tem
sido fácil, diz Paola. "Todos os dias recebemos inúmeros telefonemas de
empresas tentando renegociar suas dívidas ou conseguir desconto."
Essa situação dificultou o planejamento das empresas. O presidente
da Bosch, Besaliel Botelho, conta que a empresa tem tentado elevar os
prazos de pagamento dos clientes para evitar o aumento de
inadimplência. "Mas tem sido um sofrimento. Hoje ficamos todos olhando
para o caixa no curto prazo." Para ele, isso reflete diretamente nas
decisões de investimento da empresa, inclusive no lançamento de novos
produtos. "É um desafio encontrar alternativas para superar esse
momento e atender o mercado com criatividade."