Não há dinheiro para a reforma do ICMS
O senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator do projeto de lei
complementar 130/2014 que convalida os incentivos fiscais concedidos com
base no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), no
âmbito da chamada guerra fiscal, tem realizado várias reuniões com
representantes dos Estados e do governo federal para tentar chegar a um
acordo que permita a votação da matéria no plenário do Senado. Nos
encontros, alguns Estados reafirmaram o entendimento de que não faz
sentido apenas convalidar os incentivos já concedidos e não fazer a
reforma do ICMS, com a redução das alíquotas interestaduais. Mas o
governo tem jogado água fria nessas expectativas, pois indicou que não
há espaço fiscal para a reforma do ICMS, neste momento, de acordo com
relatos de participantes das reuniões.
A proposta feita pelo governo em dezembro de 2012 previa a redução
das alíquotas interestaduais do tributo e a criação de dois fundos: um
para compensar os Estados que perderiam com as mudanças e outro para
garantir recursos aos investimentos nos Estados mais carentes, chamado
de Fundo de Desenvolvimento Regional, o que compensaria o fim da guerra
fiscal. Para o primeiro fundo, o governo previa destinar algo como R$ 8
bilhões ao ano, em média, no período de 10 anos. Ao segundo, seriam
cerca de R$ 4 bilhões em recursos orçamentários e outros R$ 12 bilhões
de empréstimos, totalizando R$ 296 bilhões no prazo de 20 anos.
Nos primeiros anos, os custos seriam menores, pois a redução das
alíquotas ocorreria de forma gradual, ao longo de alguns anos. Se a
reforma do ICMS fosse aprovada em 2015, o governo teria que destinar, no
mínimo, R$ 4,5 bilhões no Orçamento de 2016 para os dois fundos. Um
montante maior teria que ser alocado em 2017 e maior ainda em 2018, até
chegar à média de, no mínimo, R$ 12 bilhões por ano. Além dos
financiamentos para os Estados.
Dilma desistiu da reforma do ICMS em 2013 por razões políticas. Ela
atendeu a um pedido do governador do Ceará, Cid Gomes, que sempre se
opôs às mudanças. A desistência de Dilma precipitou a saída do governo
do ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa, que
coordenava o projeto de reforma dentro do governo. Barbosa está de volta
ao governo, agora como ministro do Planejamento, e continua defensor da
reforma do ICMS. Recentemente, ele escreveu artigo dizendo que o grande
desafio é fazer as mudanças no tributo sem reduzir o resultado
primário.
O problema é que todo o esforço da presidente Dilma Rousseff, pelo
menos nos primeiros anos de seu segundo mandato, será o de elevar o
superávit primário do governo federal, que em 2014 deve atingir o seu
menor nível desde 1998. Em 2015, o ministro indicado da Fazenda, Joaquim
Levy, já anunciou que a meta será de superávit primário de 1,2% do PIB
para todo o setor público. Ele ainda não informou qual será a meta para o
governo federal. Mas o esforço fiscal no próximo ano será considerável,
quando comparado com o que foi feito neste ano. Para 2016 e 2017, a
meta será de, no mínimo, 2% do PIB.
Para alcançar o superávit primário de 1,2% do PIB para todo o setor
público em 2015 e de no mínimo 2% em 2016 e 2017, o governo precisa que
os Estados e municípios melhorem o seu resultado fiscal. E a maneira
mais rápida e segura de fazer isso é controlar com mais rigor o
endividamento desses entes da federação. Esse controle, no entanto, é
incompatível com a autorização que será dada para mais endividamento,
por meio do Fundo de Desenvolvimento Regional, que prevê empréstimos de
R$ 12 bilhões por ano para os Estados.
A falta de recursos do governo para viabilizar a reforma do ICMS está
dificultando um acordo no âmbito do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz) sobre o texto final de um dispositivo do projeto de
lei 130, que trata da convalidação dos benefícios fiscais já concedidos.
Há duas semanas, o senador Luiz Henrique aguarda uma proposta
consensual dos Estados, mas até agora não a obteve. Hoje e amanhã, o
Confaz irá se reunir para tentar chegar a um acordo. O senador
catarinense quer votar o seu parecer na Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) na próxima terça-feira.
Os Estados do Sul e do Sudeste não querem a convalidação dos
benefícios já concedidos sem a mudança das alíquotas interestaduais do
ICMS. Eles entendem que estaria sendo concedida uma vantagem aos Estados
infratores, com a legalização de tudo o que foi feito de forma
irregular, sem mudar nada, pois as diferenças de alíquotas
interestaduais que deram origem à guerra fiscal permaneceriam. Com a
convalidação aprovada, os Estados não poderão mais glosar os incentivos
que foram considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), o que acarretará custo fiscal de grande magnitude para vários
deles.
Mesmo que o projeto de lei complementar 130 seja aprovado pelo Senado
e, posteriormente, pela Câmara, a convalidação dos incentivos ainda
dependerá de convênio a ser assinado pelos Estados no âmbito do Confaz. O
projeto facilita a aprovação do convênio, pois reduz o quorum para a
decisão do Confaz sobre esta questão. Atualmente, todas as decisões do
Confaz são tomadas por unanimidade. Com a aprovação do projeto 130, o
quorum passa a ser de dois terços das unidades federadas, mas com a
exigência adicional de que haja a concordância de pelo menos um terço
das unidades de cada uma das cinco regiões. Há parecer da Procuradoria
Geral da República favorável à unanimidade nas decisões do Confaz sobre
benefício do ICMS.
A pressa para a votação do projeto de lei complementar 130 tem uma
explicação. No dia 16 de setembro deste ano, o presidente da Comissão de
Jurisprudência que trata da proposta de súmula vinculante 69, ministro
Gilmar Mendes, manifestou-se pela admissibilidade e conveniência da
edição da súmula e sugeriu sua inclusão em pauta do STF. A súmula vai
derrubar todos os incentivos concedidos sem prévia autorização do
Confaz. Já há manifestação favorável do Procurador Geral da República,
Rodrigo Janot. O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, poderá
colocar a súmula em votação no primeiro semestre de 2015.