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AGÊNCIAS REGULADORAS APLICAM MULTAS, MAS NÃO RECEBEM NEM METADE DO VALOR
Atingidas por denúncias de corrupção e criticadas na função de controle de serviços públicos, as agências reguladoras tiveram em 2011 e 2012 desempenho fraco na fiscalização e punição de empresas sob sua responsabilidade. Relatórios obtidos pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que a arrecadação com multas alcançou, no máximo, 45% do valor cobrado naqueles anos.
Alvo da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que desbaratou esquema de venda de pareceres por servidores públicos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) aplicou, nos dois anos, R$ 3,45 milhões em multas, dos quais R$ 1,94 milhão (34%) entrou no cofre. Outros R$ 335,1 mil estão sendo parcelados. Gestores públicos e empresas portuárias que descumpriram normas do setor devem ainda R$ 1,9 milhão.
Na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) – cujo ex-diretor Rubens Vieira foi preso pela Porto Seguro, acusado de envolvimento com a quadrilha dos pareceres –, a receita também ficou aquém do almejado. O valor cobrado no biênio alcança R$ 74,5 milhões. Menos da metade (R$ 33,6 milhões) entrou no cofre. O valor arrecadado inclui o pagamento de multas de 2011, 2012 e anos anteriores. O órgão apresenta os números gerais da fiscalização, mas recusa-se a informar dados específicos de cada processo, embora sejam públicos.
Responsável pelo controle dos planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não recolheu nem 2,5% das multas publicadas no biênio. Elas somam R$ 536,7 milhões, segundo tabela fornecida pelo órgão. Por ora, R$ 11,4 milhões foram quitados em pagamento único e R$ 1,5 milhão, parcelado.
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) arrecadou, entre multas quitadas e parceladas, no máximo 5% do total cobrado: R$ 5,1 milhões. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pleiteia R$ 957,8 milhões, mas a receita não passou de R$ 105 milhões (11%).
Telefonia. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) gerou R$ 207,7 milhões em multas, mas recebeu R$ 13,6 milhões (6,5%). Permanecem pendentes 2.500 autuações. Operadoras de telefonia e outras empresas do setor só têm arcado com débitos irrisórios; quando o valor ultrapassa a casa do milhão, dão calote ou recorrem à Justiça.
As 22 maiores multas aplicadas pela Anatel no período não foram pagas – 15 delas estão sendo discutidas nos tribunais. Do total cobrado, 63% estão sub judice. Por esse mecanismo, a Oi protela o pagamento de R$ 35,7 milhões; a Telefônica, mais R$ 44,4 milhões. Desde 2000, R$ 2,1 bilhões em multas foram aplicadas pela Anatel, mas R$ 1,2 bilhão está sendo questionado na
Justiça. “As empresas entram na Justiça com qualquer argumento. O intuito é meramente protelatório”, diz o procurador-geral da agência, Victor Epitácio Cravo Teixeira.
Dar calote nas agências reguladoras, não raro, compensa, pois o processo de cobrança é lento. Cabe a elas inscrever a empresa multada no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Governo (Cadin) e na Dívida Ativa da União para, em seguida, executar o débito na Justiça. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentado em 2012 mostra que, de 2008 a 2011, 17 órgãos de fiscalização – entre eles as dez agências reguladoras – aplicaram média de 14 mil multas por ano. Apesar da alta inadimplência, anualmente houve 926 inscrições por órgão no Cadin. Nesses quatro anos, as multas somaram R$ 29 bilhões, dos quais R$ 1,6 bilhão foi efetivamente arrecadado.
Recursos. Segundo o TCU, cujo porcentual de recolhimento também é pífio (8,3% no período), o problema se deve a um caldo de fatores: excesso de instâncias para recursos, falta de estrutura para analisá-los, excesso de multas suspensas ou canceladas pela Justiça e as próprias agências.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os dados demonstram a fragilidade do sistema de regulação na sua principal função – fiscalizar. “O aparato das agências é insuficiente. É necessário reavaliar a estrutura”, diz a gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais. Para ela, outros mecanismos de punição devem ser adotados, como a proibição de vender produtos.
O presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, diz que falhas nos regulamentos favorecem a inadimplência. Os tipos de penalidade (notificação, multa, advertência, suspensão) são descritos de forma genérica, sem precisar em quais situações cada um se aplica. “As normas são amplas, o que gera o interesse das empresas em questionar.”
Para a advogada Letícia Queiroz de Andrade, especialista em Infraestrutura e Direito Regulatório, outro problema são as obrigações criadas via resoluções, não previstas no contrato de concessão.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Fábio Fabrini
Data: 14/02/2013