Notícia
Cuidados com documentos desnecessários
Nos Estados Unidos é muito conhecida e discutida a problemática dos "bad
documents", aqueles documentos criados desnecessariamente nas empresas e que,
depois, em ações judiciais e outras formas de disputa envolvendo antigos
colaboradores, parceiros comerciais, consumidores, concorrentes ou entes
públicos, podem servir de prova contra a pessoa jurídica ou seus
administradores, ocasionando-lhes graves prejuízos.
Para dirimir esse problema, até mesmo em razão do sistema processual
americano, há cuidado extremado contra a produção e armazenamento dos
denominados "bad documents". No Brasil impressiona a falta de cuidado das
empresas com os documentos gerados por empregados e colaboradores.
Esclareça-se que no Brasil evitar e eliminar esse tipo de documento nada
tem de ilegal, não havendo qualquer relação entre o combate aos bad documents e
a criação de documentos inexatos, omissão de informações, destruição de
documentos ou qualquer outra prática proscrita. Os documentos obrigatórios da
atividade empresarial devem refletir com fidelidade a verdade dos fatos nele
reduzidos. Esses documentos, ainda que prejudiciais à empresa, nada tem a ver
com os bad documents. E caso seu teor possa ser ruim, o problema não está no
documento, mas na realidade que ele reflete. Na prática, verifica-se que grande
parte desses documentos impertinentes são criados de boa-fé, sem qualquer
interesse em documentar algo que pode se consubstanciar em uma eventual
contingência para a empresa.
Mas esses documentos podem "ganhar" credibilidade quando utilizados nas
disputas que envolvem a empresa, justamente porque nasceram no âmbito da pessoa
jurídica, nunca foram contestados, atestam que diversas pessoas tinham
conhecimento daqueles "fatos" apontados em seu teor e, portanto, retratariam
hipóteses admitidas pela empresa ou pelo menos conhecidas, senão notórias,
conferindo-lhes um status de prova. Um e-mail descuidado e mal escrito pode
virar uma prova relevante.
A solução desse tipo de problema, embora simples, demanda bastante esforço
e dedicação, pois exige uma mudança de cultura nos procedimentos de comunicação
no âmbito das empresas. E t importante ressaltar: não apenas no interior da
empresa, nas comunicações e documentos trocados entre os empregados, mas em
todas as relações da pessoa jurídica, inclusive com consumidores, prestadores de
serviço, fornecedores, autoridades públicas, enfim, com todos aqueles que com
ela de alguma forma se relacionam.
Eis o elemento essencial de nosso tema: a falta de critério na comunicação
em âmbito corporativo. É interessante notar que não estamos falando de boas
maneiras, mas de programa de educação em comunicação corporativa para evitar o
surgimento de documentos desnecessários e imprecisos que possam ser utilizados
até mesmo em procedimentos criminais.
É preciso rigoroso programa de controle da criação de bad documents, com
eliminação do que for desnecessário para as atividades da empresa. Em outras
palavras, prevenção e bom senso. A melhor forma para controlar a proliferação de
documentos desnecessários é evitar sua criação.
Joseph Falgiani, advogado americano especialista no tema, aponta dez
princípios para um programa de comunicação segura, baseado na experiência
empresarial estrangeira: usar alternativas para escrever comunicados sempre que
possível; ter em mente que todo escrito poderá ser lido por um adversário; ter
certeza de que aquilo que se escreve é apropriado, entender que toda comunicação
escrita pode ser interpretada com má-fé. Ter cuidado na escolha das palavras,
sobretudo quando escreve sobre questões sensíveis, evitar comentar sobre
possíveis responsabilizações da empresa ou dos administradores e empregados por
fatos determinados, agir imediatamente em face da descoberta de bad documents,
limitar a disseminação de todos os escritos a quem tiver necessidade de ter
acesso a eles. Nunca criar documentos comentando fatos em litígio e, por fim,
implementar um programa de retenção de documentos, definindo tipos de documentos
que devem ser guardados e quais devem ser descartados.
Na experiência brasileira alguns aspectos fundamentais merecem atenção:
documentos que manifestam a posição oficial da empresa ou de seus
administradores devem ser sempre submetidos a uma análise de risco, vale dizer:
possíveis interpretações voltadas ao prejuízo da empresa, nenhum documento que
circule no âmbito da empresa deve ser desprezado. E havendo alguma impropriedade
em seu conteúdo, deve ser contestado e eliminado. A empresa deve atuar
preventivamente, analisando periodicamente os documentos criados por seus
empregados e colaboradores; documentos produzidos em situações de crise, em que
se observa a influência da emoção de fatos recentes e impactantes - como nos
casos de acidentes - devem ser elaborados sob a supervisão de pessoa que possua
distanciamento do problema, devendo abordar a questão de forma estrita, sem
especulações ou conjecturas sobre causas e culpas.
Guilherme Alfredo Moraes Nostre é doutor em direito penal pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo e sócio do Moraes Pitombo Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico.
O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações
acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas
informações
Fonte: Valor Econômico - Guilherme Alfredo Moraes Nostre
Data: 30/11/2012