Na crise, quem saiu no lucro foi o comércio varejista
Um ano e meio depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008,
está bastante claro quais setores da economia brasileira se saíram bem,
e hoje lideram a retomada forte da economia brasileira, e quais penaram
com os efeitos da maior crise global desde os anos 30. Os segmentos
voltados para o mercado interno exibiram no ano passado, e continuam a
exibir neste início de 2010, um desempenho extremamente positivo,
ancorados na resistência do mercado de trabalho e na ampla oferta de
crédito, além de alguns terem sido beneficiados pelas reduções de
impostos promovidas pelo governo.
Os números do comércio varejista são impressionantes, especialmente os
de alguns Estados do Nordeste, como evidencia a história da rede
varejista pernambucana Eletroshopping (ver reportagem na página A6). As
vendas de veículos também refletem esse quadro positivo, favorecidas
especialmente pela queda do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI).
Também passaram praticamente incólumes pela crise, e puxam a
recuperação, empresas fornecedoras da Petrobras, cujos planos de
investimento não foram afetados pela turbulência. Na outra ponta,
sofreram os setores com maior dependência do mercado externo, como os
ligados ao segmento siderúrgico. Fornecedores da Embraer, companhia
extremamente afetada pela desaceleração global, tampouco tiveram
refresco.
Indicadores econômicos importantes espelham esse quadro. O desempenho
do varejo é melhor que o da indústria e, dentro do segmento industrial,
se sobressai quem produz principalmente para o mercado interno.
Num cenário de renda preservada, em que o nível de emprego sofreu
pouco, o comércio varejista teve desempenho bastante robusto em 2009,
crescendo 5,9% mesmo num ano de crise, observa o economista-chefe da
LCA Consultores, Bráulio Borges. Nos 12 meses até janeiro, a taxa de
crescimento já atingiu 6,2%. Em alguns Estados do Nordeste, onde o peso
do Bolsa Família e do salário mínimo é maior, o desempenho é ainda mais
impressionante. No Piauí, no Ceará e em Sergipe, a expansão nos 12
meses até janeiro supera os dois dígitos - 13,8% no Piauí, 10,8% no
Ceará e 13,2% em Sergipe.
Borges chama a atenção para as vendas de supermercados e hipermercados,
que subiram 8,4% nos 12 meses até janeiro. Em 2009, 13 empresas de
varejo de capital aberto viram o lucro subir 36,9% em relação ao ano
anterior, para R$ 1,621 bilhões, segundo levantamento do Valor Data,
com base em dados da Economática.
Mesmo acreditando que houve antecipação razoável das compras de
veículos e eletrodomésticos da linha branca em 2009, para aproveitar o
IPI reduzido, Borges prevê alta de 7,5% para as vendas no varejo neste
ano. "Se não tivesse ocorrido a antecipação, esse número poderia chegar
a 9% ou 9,5%."
As vendas de veículos no mercado interno também se destacaram em 2009.
A desoneração tributária e a melhora das condições de crédito
contribuíram para a alta de 12,8% nos licenciamentos de veículos e
comerciais leves em 2009. Nos 12 meses até fevereiro, a taxa de
expansão ficou em 13,4% e em março as vendas bateram recorde. "Entre os
setores que se saíram melhor, certamente estão os que contaram com a
ajuda da redução de impostos", diz o economista Fernando Sarti,
professor da Unicamp, que também cita a construção civil entre os
beneficiados.
Mesmo com vendas no mercado interno em alta significativa, a produção
de veículos amarga queda de 3,2% nos 12 meses até fevereiro, número que
chegou a 21,9% em outubro, nessa base de comparação. O ponto é que, se
o mercado interno vai bem, as exportações vão mal. Nos 12 meses até
janeiro, as vendas externas de veículos, reboques e carrocerias levaram
um tombo de 36,1%, segundo números da Fundação Centro de Estudos do
Comércio Exterior (Funcex).
"México e Argentina, grandes compradores de carros do Brasil, tiveram
um 2009 muito ruim", diz Borges. O PIB do México, por exemplo, caiu
6,5% no ano passado. Os balanços de quatro empresas de capital aberto
do setor de veículos e autopeças - que não incluem as quatro grandes
montadoras - mostram queda de 42,7% do lucro de 2008 para 2009,
fechando em R$ 340 milhões.
Na indústria, o melhor desempenho foi dos setores que produzem bens não
duráveis, como alimentos, bebidas e produtos farmacêuticos. Em 2009,
num ano em que a indústria geral caiu 7,4%, a fabricação de bebidas
subiu 7,1% e de artigos farmacêuticos, 7,9%. O bom desempenho da renda
e o pequeno impacto da crise sobre a taxa de desemprego explicam esse
desempenho, diz o economista Edgard Pereira, sócio da Edgard Pereira
& Associados. O lucro de sete companhias de alimentos e bebidas
aumentou 121% em 2009, totalizando R$ 6,794 bilhões, segundo o Valor
Data.
Os maiores perdedores foram, sem dúvida, os que mais dependem do
mercado externo, diz Sarti, da Unicamp. A produção do setor de
metalurgia básica (onde está a siderurgia), por exemplo, caiu 17,6% no
ano passado, e ainda está em queda de 9% nos 12 meses até fevereiro. Em
2009, o lucro de 13 companhias de metalurgia e siderurgia totalizou R$
5,553 bilhões, queda de 60,3% em relação a 2008. Nos últimos meses,
porém, há uma recuperação do segmento, especialmente devido às boas
perspectivas para a construção civil e a indústria automotiva, que usam
o aço como insumo importante.
Também sofreram bastante os setores ligados ao investimento, como os
produtores de bens de capital. A fabricação de máquinas e equipamentos
ainda está em queda de 10,3% nos 12 meses até fevereiro, embora também
haja uma melhora no segmento, com a retomada dos investimentos no
aumento da capacidade produtiva.
Borges acredita que o setor de bens de capital deverá se sobressair
neste ano, pois o investimento vai subir com força, na casa de 17% a
18%. Pereira acredita, porém, que o setor pode ser prejudicado pela
concorrência dos bens de capital importados, num cenário de câmbio
valorizado.
Para 2010, o panorama parece em grande parte definido. O varejo vai
continuar bem, por conta das perspectivas positivas para o mercado de
trabalho e o crédito. Na indústria, quem produz para o mercado interno
também tende a se sair melhor, embora Sarti observe que há o risco de
que parte não desprezível desse mercado possa ser capturada pela
produção estrangeira, devido ao dólar barato.
O setor de autopeças, por exemplo, tem reclamado bastante da alta das
importações, que tem feito a produção do segmento não acompanhar, no
mesmo ritmo, a atividade das montadoras. Exportadores de commodities
também têm cenário melhor pela frente neste ano, como fica claro no
caso da Vale, que quer aumento de 114% no preço do minério de ferro.
Fonte: Valor Econômico
Data: 06/04/2010