Notícia

Estados vão privatizar distribuidoras de gás natural

Depois de avançar no setor de saneamento, a venda de distribuidoras
estaduais de gás natural é o novo alvo do programa de desestatização do
BNDES. O banco já tem sinalização de sete estados interessados em vender
integral ou parcialmente suas participações nas empresas, entre eles o
de Pernambuco, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. O objetivo é elevar a
capacidade de investimentos das companhias, para expandir a malha de
dutos e atingir novos clientes, além de levantar recursos para os
estados num momento em que atravessam grave crise fiscal. A previsão é
fazer os leilões no terceiro trimestre de 2018.

Hoje, com exceção de duas distribuidoras no Rio (Ceg e Ceg-Rio) e
duas em São Paulo (Comgás e Gas Natural Fenosa), as demais 22
distribuidoras no país têm controle estatal. Na maior parte delas, os
governos estaduais detém 51% das ações com direito a voto. O restante ou
está nas mãos da Gaspetro (sociedade entre Petrobras e a japonesa
Mitsui) ou está dividido entre ela e sócios minoritários privados. A
própria Mitsui, além da participação via Gaspetro, está presente
diretamente em algumas distribuidoras.


Para especialistas, a entrada de novos investidores privados nas
distribuidoras pode ajudar a massificar o consumo de gás natural no
Brasil, ainda muito reduzido, com vantagens para os consumidores. O gás
natural canalizado é realidade em apenas 440 dos 5.570 municípios
brasileiros, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas
Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). E está presente em apenas
três milhões de residências, de um universo de 68 milhões de domicílios
no país. Aonde ele não chega é preciso recorrer ao GLP (gás de botijão)
ou a lenha, por exemplo, para esquentar comida.


SEIS ESTADOS NÃO TÊM REDE DE DISTRIBUIÇÃO


— O gás natural é mais seguro e mais prático que o GLP. Você não
precisa comprar ou se preocupar em armazenar o botijão. Basta ligar o
fogão. Além disso, ele é mais uma opção de fonte de energia para a
indústria ou para o comércio, menos poluente que o petróleo. Na nossa
matriz energética, o gás responde por apenas 10%, contra uma média
mundial de 25% — afirma Edmar de Almeida, do Grupo de Economia de
Energia da UFRJ.


A possível privatização das distribuidoras de gás ocorre num cenário
em que a Petrobras vem batendo em retirada do setor. Em 2016, a estatal
vendeu 90% de sua malha de gasodutos no Sudeste para a canadense
Brookfield e busca investidores para a malha no Nordeste. No ano
anterior, acertara a venda de 49% da Gaspetro para a Mitsui.
Paralelamente, o governo federal quer promover uma reforma do setor e
atrair mais investidores privados para a área de exploração e produção
de gás, dominado pela Petrobras. As ações com este fim estão reunidas no
programa “Gás para Crescer”.


— O governo vem trabalhando para que, em 2030, a atual produção de
gás mais que duplique. Hoje, nosso mercado de gás é do tamanho da
Argentina, um país com população bem menor que a brasileira. Acreditamos
que o número de estados produtores pode passar dos atuais oito para 16 —
disse o secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia
(MME), Márcio Félix.


Outras frentes do programa de desestatização do BNDES


O BNDES vai assessorar a contratação de estudos técnicos para avaliar
as distribuidoras estaduais e apontar o melhor modelo de participação
da iniciativa privada nas empresas, além de auxiliar na formatação dos
leilões. Semana passada, os governadores de Pernambuco, Paulo Câmara, e
do Espírito Santo, Paulo Hartung, estiveram na sede do banco, no Rio,
para discutir o assunto.


— Somou-se a estratégia do MME à demanda dos governos estaduais, cuja
decisão tem dois vetores: o potencial benefício fiscal com a alienação
(venda) do ativo e, tão ou mais importante, a possibilidade de promover o
desenvolvimento a partir da expansão do acesso ao gás — afirmou Rodolfo
Torres, responsável pelo programa de desestatização do BNDES.


Em Pernambuco, por exemplo, um dos objetivos com a venda da fatia
estatal na Copergás é viabilizar o investimento na ampliação da malha de
gasodutos, levando o gás encanado ao pólo de gesso de Araripe, no oeste
do estado, que responde por 95% da produção de gesso nacional. Outra
meta é levar o gás natural às áreas onde a caatinga é usada
clandestinamente para fazer lenha. Hoje, a rede da distribuidora atende
28 municípios, concentrados na Zona da Mata. O governo pretende ainda
usar a venda de sua participação na companhia para se capitalizar e
investir em outros setores.


— Temos que captar recursos para fazer frente aos desafios de
investimento. Tivemos a maior seca dos últimos tempos e precisamos
ampliar adutoras. Isso acontece num momento em que houve frustração de
receita, com a paralisação de obras na Refinaria de Abreu e Lima. O
projeto da refinaria previa duas linhas de produção mas apenas uma foi
concluída, reduzindo nossa expectativa de arrecadação — disse o
secretário de Planejamento e Gestão de Pernambuco, Márcio Stefanni,
adiantando que o governo pretende vender integralmente sua fatia na
Copergás.


A constituição de 1988 assegurou aos estados a competência de
explorar, diretamente ou mediante concessão, a distribuição de gás
natural. Como cabe aos governos estaduais definir o modelo e as metas de
atendimento, salienta Joísa Dutra, diretora do Centro de Regulação e
Infraestrutura da FGV, muitos estados não traçam objetivos agressivos. O
resultado é que seis deles — GO, MA, MT, PA, PI e AP —, além do
Distrito Federal, não têm um quilômetro sequer de malha para distribuir o
gás.


— Estamos diante de uma oportunidade única para abrir o setor e
superar essas dificuldades. O cenário é propício, com o reposicionamento
da Petrobras, a estratégia em âmbito federal de atrair capital privado
para o segmento e o BNDES disposto a fazer a modelagem — frisou Joísa.


Além de ampliar a capacidade de investimento das empresas, a venda de
seu controle à iniciativa privada abre espaço para melhorar a regulação
do setor, na opinião de Almeida. Ele avalia que, hoje, há conflito de
interesse porque ora o estado regula em nome dos consumidores, ora em
causa própria, já que é majoritário nas companhias. Para o economista, a
abertura na distribuição também ajuda a atrair competidores para a área
de produção. Atualmente, há cerca de 30 produtores de gás no país, mas
todos vendem o insumo para a Petrobras porque não conseguem competir com
ela no fornecimento às distribuidoras.


Segundo Torres, do BNDES, já há discussões com potencias interessados
nas participações dos estados. Um dos grupos é a espanhola Gas Natural
Fenosa, que controla a Ceg e a Ceg-Rio. A companhia diz “estar avaliando
todas as propostas do mercado de distribuição de gás no Brasil”. Diz
ainda acreditar que “a concessão dessas distribuidoras a operadores
privados com know how e capacidade de investimento poderá contribuir
para a aceleração da universalização do uso do gás”.


PETROBRAS E MITSUI: DIREITO DE PREFERÊNCIA


A venda do controle das companhias, porém, não será simples, pois os
atuais sócios — Gaspetro e Mitsui — têm direito de preferência sobre a
venda. Uma primeira reunião entre BNDES e Petrobras para discutir o
assunto foi feita em janeiro. Segundo fontes, a Mitsui teria interesse
em ampliar sua fatia das empresas, seja via Gaspetro, seja diretamente.
Procurada, a companhia japonesa não se manifestou. A Petrobras tampouco
fez comentários. Na avaliação de um ex-executivo da estatal, a saída da
petrolífera do segmento seria “um tiro no pé”, pois ela ficaria “refém”
de quem controlar as distribuidoras. Nos anos 90, a Petrobras ingressou
nas empresas estaduais justamente para assegurar demanda para seu gás.


Há ainda o caso do Espírito Santo, onde a Petrobras detém 100% da
distribuidora local, via BR Distribuidora. O contrato entre governo e BR
foi firmado em 1993, sem licitação e com prazo de 50 anos, o que foi
considerado irregular pela Justiça ano passado. O governo tem até 2018
para regularizar a situação. O secretário do Desenvolvimento capixaba,
José Eduardo Azevedo, explica que há dois modelos em estudo: criar uma
empresa tripartite — estado, sócio privado e BR — ou uma sociedade entre
estado e BR, com objetivo de vender a fatia estatal futuramente. As
negociações com a BR estão em andamento. Caso não evoluam, o contrato
será rescindido e será feita nova concessão. Procurada, a BR não
retornou a ligação.



Fonte: O Globo
Data: 15/05/2017