Notícia

Inquérito mostra os indícios contra vice


Um encontro entre o vice-governador Leonel Pavan e o empresário Marcos
Pegoraro no aeroporto Hercílio Luz, em 18 de março do ano passado, é a
chave para elucidar o indiciamento de ambos, além de outras cinco
pessoas, na Operação Transparência, da Polícia Federal. Na ocasião,
Pavan teria recebido R$ 100 mil para interceder junto à Fazenda a fim
de reativar o registro estadual da empresa Arrows, cancelado por
dívidas fiscais.


A informação consta do inquérito da Polícia Federal, ao qual o
Diário Catarinense teve acesso. De acordo com o documento, uma equipe
de policiais federais acompanhou o encontro no aeroporto, “ocasião em
que, ao que tudo indica, ocorreu a entrega do valor” ao
vice-governador.


O principal argumento da defesa de Pavan é a alegação de que as
conclusões da PF se baseiam apenas em conversas entre terceiros. A
parte do documento que tenta comprovar o recebimento de propina pelo
vice-governador, de fato, baseia-se em escutas de conversas de
terceiros. Mas a Polícia Federal deixa claro no documento a importância
que tiveram estas gravações para a investigação, como no trecho:


“As evidências de que houve pagamento em dinheiro ao vice-governador
em troca de sua atuação em prol dos interesses da empresa em questão
estão presentes em diversas conversas telefônicas interceptadas, ora de
forma velada, ora de forma expressa...”.


Três conversas grampeadas foram determinantes para o indiciamento do
vice por corrupção passiva e para a denúncia à Justiça pelo Ministério
Público. Na primeira, Pegoraro diz ao médico Armando Taranto ter ficado
acertado um pagamento de “cem mil reais pro Pavan. Tudo dinheiro, tá?”.


Na segunda, Pegoraro diz a Claudio Chilanti, prestador de serviços
da Arrows, estar a caminho do aeroporto, para entregar o “presente” de
Pavan. Mais tarde, em depoimento, Chilanti declarou à Polícia Federal
ter “presumido que o presente seria algum pagamento em dinheiro ao
vice-governador.”


Após acompanhar o encontro no Hercílio Luz, a Polícia Federal ainda
monitorou uma terceira conversa de Pegoraro, na qual o empresário teria
dito, segundo o inquérito:



“Tá tudo acertado com o Pavan. Até porque eu já paguei”.



A investigação, porém, não girou apenas em torno da suposta propina recebida por Pavan. O inquérito diz:


“Como retribuição pelo valor recebido, o vice-governador chega a
revelar ao empresário Eugênio Rosa e à advogada Vanderleia Aparecida a
existência de investigações em relação à Arrows por parte de diferentes
instituições”.


Segundo o documento, Pavan vai além e lê para Eugênio o ofício que
havia sido encaminhado pelo Ministério Público Estadual de Santa
Catarina à Secretaria da Fazenda, no qual era noticiada a abertura de
investigação contra a empresa.


O inquérito, assinado pelo delegado da Federal Luiz Carlos Korff,
afirma que Pavan também se mostrou confiante de que a inscrição
estadual da Arrows seria reativada. As escutas, de acordo com o
delegado, revelam uma conversa entre o vice e Vanderleia, na qual Pavan
diz ter sido efetuado “um ato revogando isso hoje”, referindo-se,
segundo as conclusões do delegado, “ao cancelamento da inscrição”.



Versões diferentes para relação


Um nome há muito conhecido seria, segundo a Polícia Federal, a
ligação inicial entre o vice-governador Leonel Pavan e a Arrows
Petróleo do Brasil. O inquérito da PF mostra que as relações entre
Pavan e a Arrows começaram a partir do empresário Eugênio Rosa da
Silva.


Eugênio é apresentado no relatório policial como sócio oculto da
Arrows e a ponte entre Pavan e o representante da empresa no Estado,
Marcos Pegoraro. Pavan sempre negou proximidade com Eugênio, e em seu
depoimento declarou que o conheceu no Réveillon de 2009, na praia de
Bombinhas.


No depoimento dado à PF, o vice-governador disse que, algum tempo
depois, foi a Curitiba, a fim de levar sua mulher a uma consulta
médica, e encontrou Eugênio em um restaurante chamado Boi Dourado,
ocasião em que o empresário lhe contou sobre as dificuldades
enfrentadas pela Arrows em Santa Catarina por causa “da perseguição de
um fiscal da Fazenda”.


Outros depoimentos colhidos pela PF, no entanto, dão a entender que
a relação entre Pavan e Eugênio é mais próxima do que a alegada pelo
vice. Em vários relatos, o empresário é chamado de “compadre” de Pavan.


Em seu depoimento, Eugênio disse ter sido convidado para ser o
padrinho do casamento do filho do vice-governador, tendo declinado por
problemas de saúde.



Quem é o médico indiciado pela PF


Na lista dos sete indiciados pela PF, chamou atenção e provocou
surpresa o nome de um médico. Armando Taranto Júnior, 58 anos, surge no
inquérito por suas relações com Marcos Pegoraro, de quem se tornou
amigo há cinco anos, quando o empresário alugou sua casa na Praia dos
Ingleses, Norte da Ilha de SC. Uma sala de Taranto, no Centro da
Capital, também foi alugada a Pegoraro, para ali instalar seu
escritório.


O filho do médico, Luiz Fernando Taranto, queria ser caminhoneiro.
Com a ajuda do pai, comprou um caminhão-tanque, da marca Volkswagen,
com capacidade para 15 mil litros, e começou a trabalhar para Marcos
Pegoraro, transportando combustível para SC. O filho adquiriu, dois
anos depois, uma carreta e passou a transportar contêineres no Porto de
Itajaí. No ano seguinte, comprou outro caminhão-tanque, de 35 mil
litros, e voltou a trabalhar com Marcos Pegoraro.


No início de 2009, Armando Taranto Júnior foi procurado por Marcos
Pegoraro para tratar da precária situação da Arrows Petróleo na
Secretaria da Fazenda. Cumpriram uma verdadeira maratona. Começou numa
reunião com o fiscal Pickler, em Joinville. Como Taranto conhecia Pedro
Mendes, então diretor-geral da secretaria, compareceu, a pedido, na
Fazenda com Pegoraro para uma audiência, a que esteve presente, também,
a advogada Vanderléia Aparecida Batista, consultora jurídica da
Secretaria Regional de Itajaí e ex-secretária particular de Leonel
Pavan quando prefeito de Balneário Camboriú.


Taranto, Pegoraro e Vanderléia reuniram-se com Pedro Mendes,
Anastácio Martins e o procurador Dagoberto Brião para tratar de um
terreno dado em garantia da dívida milionária e refugado, por
inexistente. Taranto e Pegoraro foram também à Procuradoria Geral do
Estado falar com Brião sobre o processo de parcelamento de dívidas da
Arrows. Viajaram, depois, a Itajaí para encontro com o gerente regional
da Fazenda, Ivo Zaonini, oferecendo outro imóvel como garantia e, outra
vez, a presença de Vanderleia Batista. Inquirido duas vezes na PF, o
médico foi informado por Pegoraro que Leonel Pavan estava intercedendo
pela Arrows na Fazenda, mas nada ouviu sobre supostos pagamentos.


Armando Taranto Júnior foi condenado pela Justiça Estadual por
irregularidades praticadas no Hospital de Caridade de Florianópolis. O
processo tramita há 12 anos. Ele entrou com recurso no TJ e aguarda
decisão. Quer julgamento de mérito da sentença condenatória, que não
transitou em julgado. Ouvido pelo DC, declarou-se tranquilo.



– Procurei apenas ajudar a Arrows a regularizar sua situação na Fazenda.



Prometeu oferecer novos fatos depois da divulgação da defesa do vice-governador Leonel Pavan.



Tecnologia travou inscrição da Arrows


A atuação firme de servidores honestos foi determinante para que a
Arrows não conseguisse obter a reativação de sua inscrição junto à
Fazenda. O documento da PF revela a suposta tentativa de empresários e
alguns servidores – incluindo Leonel Pavan – para reativar o registro
da empresa distribuidora de combustíveis, mesmo sem quitação de uma
dívida de R$ 13 milhões em impostos.


Em um dos relatos à PF, um funcionário afirma que houve “um estranho
interesse de diversas pessoas em favor da empresa”. Seguindo o trâmite
da Fazenda, a partir da dívida, no início de 2009 foi aberto o processo
para o cancelamento da inscrição estadual.


Durante o processo de cancelamento, o então diretor de Administração
Tributária, Anastácio Martins, teria procurado os servidores
responsáveis pelo processo, afirmando que havia interesse do gabinete
do vice-governador em solucionar a questão para a Arrows voltar a
operar. Martins, então, teria pedido aos fiscais que voltassem atrás na
decisão, mas foi informado de que não havia razões para tanto. Os
depoimentos mostram que um funcionário ligado a Martins afirmou ter
recebido a determinação de regularizar a situação cadastral da Arrows,
mas não o fez.


Martins retirou o processo (em papel) da Gerência de Cadastro sob a
justificativa de que havia um pedido de explicações por parte de Pavan.
Segundo os fiscais, o que Martins não sabia é que a retirada do
processo físico não era suficiente para suspender seu andamento, já que
no sistema eletrônico da Secretaria da Fazenda o prazo continuava
correndo.


Em depoimento, Anastácio Martins afirmou que o diretor-geral da
Fazenda, Pedro Mendes, disse-lhe que o gabinete do vice-governador
estava pedindo informações sobre o processo da Arrows. Ele confirmou
ter levado os autos do processo e imaginava que o cancelamento do
registro não se confirmaria enquanto os autos estivessem em análise.
Todos foram surpreendidos com a notícia de que o registro da Arrows
havia sido cancelado.



Como surgiu Vanderléia


Outra velha conhecida de Pavan que surge na história é a advogada
Vanderléia Aparecida Batista, que ao mesmo tempo em que era servidora
da Secretaria de Desenvolvimento Regional de Itajaí, atuava como
advogada da Arrows desde 2008. Ligada ao PSDB, Vanderléia conhece Pavan
desde 1988, quando foi sua secretária na prefeitura de Balneário
Camboriú. Segundo o inquérito, os contatos entre Vanderléia e Pavan
teriam aumentado após o cancelamento do registro da Arrows.


Em uma das ligações telefônicas, Pavan teria demonstrado
“descontentamento” com o cancelamento, mesmo com a orientação dele para
que tal medida não fosse tomada. A advogada ainda contou aos policiais,
no depoimento, ter ouvido Pegoraro comentar que precisava reunir “certa
quantidade de dinheiro”, que seria encaminhada a Pavan.


Segundo os policiais, o vice-governador teria retribuído o valor
recebido revelando a Vanderléia a existência de uma investigação
envolvendo a empresa. Pavan teria lhe informado que a situação da
Arrows era complicada. Mais uma ligação interceptada mostra que Pavan
falou com Vanderléia sobre as investigações, com a entrada do
Ministério Público no caso, sendo que o vice-governador teria sugerido
que ela avisasse os responsáveis pela Arrows para que “se cuidassem”.






Fonte: Diário Catarinense
Data: 12/01/2010