Notícia

Governo fica com 60% da renda do petróleo no Brasil


A intenção do governo de aumentar significativamente a parcela que cabe
ao setor público na receita proveniente da exploração das reservas de
petróleo e gás se espelha na experiência de outros países e não depende
da mudança de modelo de exploração. De acordo com diferentes estudos e
especialistas consultados pelo Valor, o poder público no Brasil,
considerando todas as esferas, fica atualmente com cerca de 60% da
renda proveniente do setor petrolífero, enquanto em países grandes
produtores, como Nigéria, Líbia e Venezuela, esse percentual se
aproxima ou passa de 90%. A participação brasileira é obtida
principalmente com a arrecadação de royalties e participações
especiais.


Além da participação do poder público nos grandes produtores ser
maior que no Brasil, ela cresceu em quase todo o mundo no período de
subida do preço do produto, a partir de 2003. Em países como o
Cazaquistão e Argélia, por exemplo, a parte da receita que fica com os
governos saltou do patamar de 50% e 70%, respectivamente, para 90%. Na
Líbia, a parcela passou da faixa de 80% para 95%. O Brasil, uma
exceção, manteve o percentual em 60% (ver gráfico). Os dados são da
Cambridge Energy Research Associates (Cera) e da Agência Nacional do
Petróleo (ANP).


"Esse movimento é um reflexo da elevação dos preços do petróleo. A
elevação das cotações aumentou os lucros das empresas do setor, o que
estimulou os governos a aumentar a taxação", diz Walter de Vitto,
analista da Tendências Consultoria. Segundo ele, um crescimento da
participação do setor público sobre as receitas de exploração não é
algo criticado pelo setor privado. "Existe espaço para elevar a
arrecadação no Brasil."


Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Engenharia e
Eletrotécnica da Universidade de São Paulo, diz que é razoável que o
Brasil aumente a sua participação na exploração do pré-sal. "Quanto
mais lucrativo for o investimento, mais os governos exigem
participação."


Segundo ele, o crescimento da produção que virá com a exploração do
pré-sal torna quase que obrigatório esse aumento da arrecadação do
Estado, o que independe de uma mudança de modelo de exploração. A alta
pode se dar tanto com a troca para o modelo de partilha, com
estabelecimento da parcela da produção que deve ficar com a União, como
com a elevação das alíquotas de royalties e participações especiais já
existentes.


"A descoberta do pré-sal fez com que os 60% arrecadados se tornassem
pouco para o Brasil", diz Santos. O professor considera que o interesse
das empresas não deve diminuir com a mudança. "O Brasil é um dos
maiores potenciais hoje para investimento em petróleo. As empresas não
ficarão fora dessa oportunidade por conta de uma tributação maior."


Para ele, o fato de o Brasil não ter seguido a tendência mundial de
crescimento dos tributos sobre a exploração de petróleo a partir de
2003 é resultado da existência de uma estatal muito forte e uma agência
reguladora fraca. "Mas essa situação acabou por fazer com que o Brasil
ficasse ainda mais atrativo a ponto de empresas se arriscarem a
descobrir o pré-sal."


Com a proximidade da divulgação do novo regime jurídico do setor de
petróleo no Brasil, empresas e escritórios que têm contrato de sigilo
com fontes evitaram comentar ontem notícias sobre a suposta decisão do
governo de reter 80% do pré-sal para a União. Ao adotar o regime de
partilha da produção, o Brasil terá um sistema que funciona de forma
simples, em tese. Nesse regime, a propriedade dos hidrocarbonetos é da
União e uma empresa operadora assina um contrato para explorar e
produzir em determinada área. Por esse modelo a empresa contratada
assume sozinha os custos de exploração, desenvolvimento e produção na
área, recebendo como pagamento uma parte da produção para ressarcir
seus investimentos.


Na partilha, é assinado um contrato que estabelece qual percentual
da produção ficará com o Estado ou seu representante, assim como a
parcela que caberá à empresa operadora da área como pagamento. Antes da
divisão podem ser deduzidos os custos de produção. Em estudo da ANP,
publicado em dezembro de 2007, os autores afirmam que podem ser
cobrados "royalties" em um acordo de partilha da produção, que pode ter
o valor descontado antes que sejam deduzidos os custos.


O percentual também pode ser estabelecido como um teto para a
dedução dos custos, o que permite que o governo receba parte dos lucros
no início da operação do projeto, sem precisar esperar que os custos
sejam amortizados. Depois que os investimentos forem recuperados pela
empresa operadora, ela reparte com a União o petróleo ou a receita, em
proporções que podem resultar em parcela para o governo variando de 65%
a 90%.


Segundo a ANP, nesse modelo as companhias de petróleo estão sujeitas
às regras do Imposto de Renda. O modelo de partilha de produção é
utilizado em países que apresentam maiores reservas e em que os custos
são médios, como a Nigéria, China, Indonésia, Líbia, Egito, Jordânia,
Síria e Turquia, entre outros. Países com reservas de maior porte e
menores custos de produção, como Kuwait, Irã e México, possuem
contratos de risco. A Venezuela adotou joint ventures, que são uma
forma de contrato de concessão. Na Arábia Saudita, que tem as maiores
reservas e a maior produção do mundo, a estatal Saudi Aramco tem
monopólio sobre as atividades. Tempos atrás o governo saudita abriu uma
licitação para exploração apenas de gás em regime de contratos de
serviços com cláusula de risco. Esse contrato estipulava que qualquer
descoberta de óleo passaria para a Saudi Aramco sem nenhum direito para
o investidor.


Até agora, o governo não deixou claro qual o tamanho das obrigações
que a Petrobras assumirá no novo modelo. Na avaliação de Adriano Pires,
do Centro Brasileiro de Infraestrutura, a Petrobras será a prestadora
de serviços preferencial da nova estatal de petróleo.



Fonte: Valor Econômico
Data: 07/08/2009